``Cuidado, aí vem o inimigo!`` anunciava o título inspirado no grito do Tarzan. E o aviso era procedente. Desde os primeiros gritos de um Rauzito de nove anos cantando rock dos anos 50 num gravador caseiro como se estivesse apresentando-se numa rádio na vinheta que abre o disco até o último suspiro de ``Ouro de Tolo´´, tudo em ``Krig-ha Bandolo!``é anti-sistema. Personagens da história se misturam a
notícias da época em letras embuídas de filosofia, deboche e inconformismo,
muitas delas assinadas junto com o parceiro Paulo Coelho (na época um
jornalista novato na matéria de compor letras de músicas que estava recebendo
aulas de Raul. E aprendendo rápido!), numa linguagem simples e direta. A música
é calcada no rock n´roll, na música nordestina e em baladas certeiras. O Brasil
agora tinha o seu próprio Bob Dylan. E com sotaque baiano.
Apesar desse ser o primeiro disco-solo do cantor,
Raul não era um principiante quando chegou à Philips (gravadora que na época
tinha em seu cast nove em cada dez grandes estrelas da música nacional) pelas
mãos de Roberto Menescal - produtor do disco ao lado de Mazola - para gravar,
já havia gravado dois discos (um com os Panteras e outro com o projeto
Sociedade da Gran Ordem Kavernista - ao lado de Sergio Sampaio, seu afilhado
musical) , trabalhando como produtor musical e chamado atenção num Festival
Internacional da Canção ao defender a sua "Let me sing, let me sing".
Agora seu princípio havia chegado ao fim. Com o estúdio nas mãos e o microfone
ao alcance da voz, Raul pode dar vazão às suas idéias musicais e utilizar a
música para propagar seu ideal de mundo. Dizia ter a fórmula do sucesso. Depois
da vinheta, o ouvinte se depara com a voz de Raul zunindo o recado de que ele
era a "Mosca na sopa", entre berimbaus e atabaques, seguindo num indo
e vindo de rock e candomblé. Perturbante e perturbador como uma mosca. Nada
mais anti-sistema. Se musicalmente, o disco segue mais normal, na medida do
possível, as letras continuam viajando por lugares incomuns aos letristas pop.
Em seguida vem "Metamorfose ambulante", outro clássico da música
brasileira (o disco tem quatro!), com sua letra que reflete sobre as transformações
constantes da mente, filosofia heraclítica em formato de música popular;
"Dentadura postiça" mostra o sobe e desce de crenças, filosofias e
costumes na bolsa dos valores sociais; "As minas do rei Salomão" -
que recebeu uma versão mais de acordo com a sua letra no Lp "Há dez mil
anos atrás" - traz Cervantes e esoterismo numa pegada country e a balada
"A hora do trem passar" mostra que os calados e os medrosos de falar
estavam perdendo o trem , destaque para o belo arranjo do maestro Miguel Cidras
. E isso é apenas o Lado A. O segundo lado traz "Al Capone", um
rockão cheio de personagens históricos e metáforas que conclui que através da
analise de acontecimentos poderemos prever o futuro e escapar das armadilhas do
"Monstro Sist" ("Eu sou astrólogo e conheço história do
princípio ao fim..."); "How could I know", uma baladaça em
inglês que Raul dizia ter feito para que seu ídolo Elvis Presley gravasse;
"Rockixe" com suas misturas e uma letra bem ao estilo Paulo Coelho ("O
que eu quero, eu vou conseguir..."); "Cachorro Urubu", parceria
nunca mais repetida com Zé Geraldo, uma balada no estilo folk com referências à
Primavera de Praga, aos estudantes franceses de 68 e a difícil guerra dos
jovens, numa estrada comprida e sem saída, contra o sistema. E depois de tudo
isso, o melhor ainda está por vir: "Ouro de tolo". Pra fechar o disco
apoteoticamente, Raul guardou sua letra mais visceral. Numa canção pastiche de
sucessos recentes da dupla Roberto/Erasmo (Sentado a beira do
caminho/Detalhes), Raul debocha, ironiza e tripudia nos valores do Regime
Militar, com seu nacionalismo e seu milagre econômico, e da classe média
brasileira, com suas aspirações, seu materialismo, seus status. E isso em pleno
governo Médici. Golaço da contracultura contra o obscurantismo. "Ouro de
tolo" ganhou as paradas - o cantor fez seu lançamento em praça pública,
causando tumulto no centro do Rio de Janeiro - e rapidamente atingiu o topo das
paradas. O povo adorou Raul. Sua irreverência, seu humor, sua inteligência, seu
carisma fora do comum. Daí pra frente, o Lp ganhou as paradas de sucesso,
emplacou outras músicas nas paradas e Raul vôou alto.Transformou fãs em
discípulos, teve que se mandar do país, gravou outros álbuns geniais, tornou-se
um dos compositores mais perseguidos pela censura, brigou com quase todas as
gravadoras, esgotou sua fórmula, caiu no ostracismo, desencarnou e virou uma
figura única dentro da música brasileira. Um mito!
Mas foi no grito de guerra de "Krig-ha, bandolo!" que a semente foi lançada e a chave da Sociedade Alternativa começou a abrir a cabeça do mundo...
(Texto: Leandro L. Rodrigues)
Mas foi no grito de guerra de "Krig-ha, bandolo!" que a semente foi lançada e a chave da Sociedade Alternativa começou a abrir a cabeça do mundo...
(Texto: Leandro L. Rodrigues)
Adorei o texto,quem sabe,sabe!
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