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quinta-feira, 16 de junho de 2016

Raul Seixas - Krig-ha, Bandolo! (1973)








``Cuidado, aí vem o inimigo!`` anunciava o título inspirado no grito do Tarzan. E o aviso era procedente. Desde os primeiros gritos de um Rauzito de nove anos cantando rock dos anos 50 num gravador caseiro como se estivesse apresentando-se numa rádio na vinheta que abre o disco até o último suspiro de ``Ouro de Tolo´´, tudo em ``Krig-ha Bandolo!``é anti-sistema. Personagens da história se misturam a notícias da época em letras embuídas de filosofia, deboche e inconformismo, muitas delas assinadas junto com o parceiro Paulo Coelho (na época um jornalista novato na matéria de compor letras de músicas que estava recebendo aulas de Raul. E aprendendo rápido!), numa linguagem simples e direta. A música é calcada no rock n´roll, na música nordestina e em baladas certeiras. O Brasil agora tinha o seu próprio Bob Dylan. E com sotaque baiano.
Apesar desse ser o primeiro disco-solo do cantor, Raul não era um principiante quando chegou à Philips (gravadora que na época tinha em seu cast nove em cada dez grandes estrelas da música nacional) pelas mãos de Roberto Menescal - produtor do disco ao lado de Mazola - para gravar, já havia gravado dois discos (um com os Panteras e outro com o projeto Sociedade da Gran Ordem Kavernista - ao lado de Sergio Sampaio, seu afilhado musical) , trabalhando como produtor musical e chamado atenção num Festival Internacional da Canção ao defender a sua "Let me sing, let me sing". Agora seu princípio havia chegado ao fim. Com o estúdio nas mãos e o microfone ao alcance da voz, Raul pode dar vazão às suas idéias musicais e utilizar a música para propagar seu ideal de mundo. Dizia ter a fórmula do sucesso. Depois da vinheta, o ouvinte se depara com a voz de Raul zunindo o recado de que ele era a "Mosca na sopa", entre berimbaus e atabaques, seguindo num indo e vindo de rock e candomblé. Perturbante e perturbador como uma mosca. Nada mais anti-sistema. Se musicalmente, o disco segue mais normal, na medida do possível, as letras continuam viajando por lugares incomuns aos letristas pop. Em seguida vem "Metamorfose ambulante", outro clássico da música brasileira (o disco tem quatro!), com sua letra que reflete sobre as transformações constantes da mente, filosofia heraclítica em formato de música popular; "Dentadura postiça" mostra o sobe e desce de crenças, filosofias e costumes na bolsa dos valores sociais; "As minas do rei Salomão" - que recebeu uma versão mais de acordo com a sua letra no Lp "Há dez mil anos atrás" - traz Cervantes e esoterismo numa pegada country e a balada "A hora do trem passar" mostra que os calados e os medrosos de falar estavam perdendo o trem , destaque para o belo arranjo do maestro Miguel Cidras . E isso é apenas o Lado A. O segundo lado traz "Al Capone", um rockão cheio de personagens históricos e metáforas que conclui que através da analise de acontecimentos poderemos prever o futuro e escapar das armadilhas do "Monstro Sist" ("Eu sou astrólogo e conheço história do princípio ao fim..."); "How could I know", uma baladaça em inglês que Raul dizia ter feito para que seu ídolo Elvis Presley gravasse; "Rockixe" com suas misturas e uma letra bem ao estilo Paulo Coelho ("O que eu quero, eu vou conseguir..."); "Cachorro Urubu", parceria nunca mais repetida com Zé Geraldo, uma balada no estilo folk com referências à Primavera de Praga, aos estudantes franceses de 68 e a difícil guerra dos jovens, numa estrada comprida e sem saída, contra o sistema. E depois de tudo isso, o melhor ainda está por vir: "Ouro de tolo". Pra fechar o disco apoteoticamente, Raul guardou sua letra mais visceral. Numa canção pastiche de sucessos recentes da dupla Roberto/Erasmo (Sentado a beira do caminho/Detalhes), Raul debocha, ironiza e tripudia nos valores do Regime Militar, com seu nacionalismo e seu milagre econômico, e da classe média brasileira, com suas aspirações, seu materialismo, seus status. E isso em pleno governo Médici. Golaço da contracultura contra o obscurantismo. "Ouro de tolo" ganhou as paradas - o cantor fez seu lançamento em praça pública, causando tumulto no centro do Rio de Janeiro - e rapidamente atingiu o topo das paradas. O povo adorou Raul. Sua irreverência, seu humor, sua inteligência, seu carisma fora do comum. Daí pra frente, o Lp ganhou as paradas de sucesso, emplacou outras músicas nas paradas e Raul vôou alto.Transformou fãs em discípulos, teve que se mandar do país, gravou outros álbuns geniais, tornou-se um dos compositores mais perseguidos pela censura, brigou com quase todas as gravadoras, esgotou sua fórmula, caiu no ostracismo, desencarnou e virou uma figura única dentro da música brasileira. Um mito!
Mas foi no grito de guerra de "Krig-ha, bandolo!" que a semente foi lançada e a chave da Sociedade Alternativa começou a abrir a cabeça do mundo...




(Texto: Leandro L. Rodrigues)



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