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quinta-feira, 9 de junho de 2016

Elis Regina - Elis (1973)







Em 1973, Elis resolveu virar o jogo. Depois de dizer que o país era governado por gorilas e ser chamada para prestar esclarecimentos, a cantora não teve como declinar do ´´convite´´ para cantar nas Olimpíadas do Exército. Resultado: passou a ser vista por parte do publico e da classe artística como uma conservadora entusiasta do regime, sendo incluida por Henfil no seu "Cemitério dos Mortos-Vivos" no "Pasquim" (o cartunista depois se arrependeria pela inclusão). Incomodada e disposta a modernizar-se, decidiu radicalizar. Rompeu o contrato com a Tv Globo, com o empresário Marcos Lázaro e gravou seu disco mais ousado.
Desde o fantástico Lp "Em pleno verão" (1970) que a cantora vinha modernizando seu repertório e aproximando-o de um som mais sofisticado, que culminou no antológico Lp de 72, que resultou em tantas interpretações memoráveis que hoje em dia parece uma coletânea. O Lp de 73 trazia ainda mais mudanças. Nada de concessões, nada de orquestrações, nada de gritos. Com a direção nas mãos do novo marido, César Camargo Mariano, o Lp contava com quatro músicas de Gilberto Gil, quatro da dupla João Bosco e Aldir Blanc, dois sambas repaginados e um conteúdo altamente político. O clima de mudança já pode ser percebido na capa: os sorrisos coloridos, frequentemente presentes nas capas de seus álbuns, davam lugar a uma Elis de cabeça baixa numa capa em preto e branco. O clima era de introspecção. 
"Oriente" de Gilberto Gil, abre o disco com o baixo de Luisão Maia e o teclado de César Camargo dando o clima de tensão e reserva. Elis, mais contida que nunca, faz uma interpretação precisa da música que seu autor classificou como sua música mais "auto-referente". Gravada no ano anterior por Gil apenas com o seu violão, a canção cresce com Elis e sua nova banda, apesar de um erro na letra. "O caçador de esmeraldas", uma brincadeira da dupla Bosco/Blanc com os nomes Fernão e Esmeralda em alusão aos bandeirantes, conta com a guitarra de Toninho Horta e bate na trave do fusion. "Doente Morena", música feita por Gil para um inacababo Lp que seria lançado em 1974 (foi mais ou menos lançado em 1999 com o título de "Cidade de Salvador"), é psicodelia política regada a teclados, guitarra, bateria e melancolia. "Agnus Sei", um dos pontos altos do Lp, música que lançou João Bosco no ano anterior, é crítica ao momento que vivia o país metaforizada com o período inquisitório. "Ah, como é difícil tornar-se herói,só quem tentou sabe como dói,vencer satã só com orações", canta Elis de forma espetacular enquanto Chico Batera e Paulinho Braga dão um show de bateria e percussão, Cesar brilha no Hammond e Luizão Maia faz bonito no baixo. "Meio de campo", um recado de Gil ao combativo jogador Afonsinho, é samba e jazz com o piano marcante de CCM, a divisão genial de Elis e mais críticas ao regime ("Fazer um gol nessa partida não é fácil, meu irmão!"). "Cabaré" é um jazz tango no melhor estilo Piazolla - que elogiou a gravação - com o bandoneon de Ubirajara da Silva (pai de Taiguara) a todo vapor e a cantora em mais uma interpretação magistral de uma letra recheada de críticas camufladas ao regime. "Ladeira da preguiça", samba feito por Gil no exílio a pedido da cantora, fala da lendária ladeira soteropolitana que liga o porto à Cidade Alta e cita outros lugares da Bahia. Destaque para o instrumental que vai saindo aos poucos de cena deixando a cantora terminar a música sem acompanhamento. Golaço! "Folhas secas", samba inédito de Nelson Cavaquinho, tornou-se um clássico da música brasileira. A música, feita especialmente para Beth Carvalho, foi tocada por Cesar Camargo, arranjador do disco da cantora, em casa e Elis ao ouvi-la decidiu grava-la. Autorizada pelo compositor, acabou furando o ineditismo de Beth que se chateou. Mas, enquanto a versão da sambista é puro samba, a de Elis está mais para uma bossa gilbertiana, com a presença, inclusive, do violão de Roberto Menescal (produtor do disco) e mostra que seu jeito de cantar samba agora era outro. "Comadre" tem letra enigmática e perfeição técnica e abre caminho para "È com esse que eu vou", o ponto alto do disco. O samba, sucesso em 1948 com o grupo Quatro Ases e um Curinga, é transformado, a partir de uma idéia de Menescal, em um envolvente cool jazz. Tecnicamente perfeita e guiada pelo envolvente sambalanço do piano do marido e guitarra de Toninho Horta, Elis não desperdiça um segundo, valoriza os silêncios e não exagera um milímetro. Canta com alegria. Relax. Um dos melhores momentos de sua vitoriosa carreira. Nota dez. O álbum não poderia ser encerrado de melhor forma.
Crítica e público não viram o disco com bons olhos e consideraram-o frio. No ano seguinte, a cantora ganharia de presente da gravadora, pelos dez anos de sua carreira, um disco histórico (e espetacular!) ao lado de Tom Jobim e prosseguiria sua carreira gravando discos verdadeiramente brilhantes ao lado de Cesar Camargo, fazendo shows inesquecíveis, encantando o mundo se apresentando no Festival de Montreaux, gravando o hino da anistia e encontrando, enfim, o caminho do meio entre o popular e o requintado. E essa obra-prima, uma das tantas de sua carreira, será sempre lembrada como um momento de plena sofisticação e ousadia.



(Leandro L.Rodrigues)

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