Em 1968 sufocada pela repetição e posta em xeque pelas inovações tropicalistas, a Jovem Guarda chegava ao fim. Roberto Carlos, quando percebeu que a fórmula havia se esgotado e os dias de glória do programa/movimento havia ficado para trás, saiu em busca de novos rumos: deixou o programa, aproximou seu som do soul e das baladonas italianas,se consagrou em San Remo e seguiu para uma nova
etapa; Erasmo Carlos e Wanderléa ainda tentaram, sem sucesso, tocar o barco por
mais alguns meses, mas acabaram sucumbindo. E, diferente do parceiro, o
Tremendão não enxergou o fim com naturalidade. Perdido com o fim da festa de
arromba, que ele pensava que iria durar pra sempre, ficou na beira do caminho
durante algum tempo, amargando a mudança dos ventos, até que, renovado pelas
novas influências que começava a assimilar e disposto a se entregar a
diferentes experiências musicais, o roqueiro disse adeus aos tempos de iê iê
iê, voltou para o Rio de Janeiro (encorajado por “Aquele Abraço” de Gilberto
Gil) e deu a volta por cima. Foi assim que surgiu o subestimado álbum “Erasmo
Carlos e os Tremendões”.
Logo na abertura é possível antever o clima de mudança: “Desconfio que eu estou detendo o progresso, estou dez anos atrasado”, diz o compositor no samba rock,“Estou Dez Anos Atrasado”, parceria com Roberto, faixa que abre o disco, admirada pelo pessoal do "O Pasquim" (a sua letra traz críticas ao conservadorismo comportamental na qual estava alicerçada a ditadura vigente) e que foi incluída em 2015 no show/DVD “Meus Lados B”, onde comemorando seus 50 anos de carreira fonográfica, Erasmo apresentou músicas desconhecidas de seu repertório, mas que figuravam entre as suas preferidas . Em seguida, o groove do rock funk “Gloriosa”, com letra do então iniciante Vitor Martins, joga o clima para o alto. A triste “Espuma Congelada”, do obscuro baiano Piti, que também ganharia uma gravação de Clara Nunes, chega cheia de lirismo e psicodelia tropicalista, com mudanças de andamento e um belo arranjo de Chiquinho de Moraes. “Ficou no vento a minha cor, ficou por dentro a minha dor”, canta o quase baiano roqueiro carioca. O clima de despedida segue em “Teletema”, uma das muitas pérolas do pianista Antonio Adolfo em parceria com Tibério Gaspar (a primeira canção composta para uma terlenovela – “Véu de Noiva”), lançada em 1969 pela cantora Regininha. “Em cada curva, sem ter você vou mais só”, canta gilbertinianamente aquele que, anos antes em suas correspondências para o amigo Tim Maia, assinava Erasmo Gilberto. Destaque também para o belo piano e as harmonias vocais (pena que a falta de informações sobre a ficha técnica não esclareça quem está participando). Licks funk de guitarra e grooves de baixo fazem o soul, estilo que o cantor já havia flertado no disco anterior, rolar solto, enquanto Erasmo troca os carrões da boa vida de playboy da Jovem Guarda por um “Jeep”(mais uma letra de Vitor Martins) sem capota dos bichos-grilos cariocas. O hammond de Lafayette - instrumento cujo som tornou-se símbolo da Jovem Guarda depois que o Tremendão e o organista mais famoso do país se depararam com ele no estúdio na gravação do primeiro compacto de EC- ataca e entra em cena uma das canções mais bem sucedidas da parceria Roberto/Erasmo: “Sentado à Beira do Caminho”. Com uma estrutura simples, que se repete por toda canção, inspirada em “Honey”, de Bobby Russell, e com metais executando fraseados de bolero, a música, que foi gravada também com retumbante sucesso em espanhol e italiano, narra de forma metafórica o fim da Jovem Guarda e a desilusão do cantor perante o fim do sonho. O refrão da canção (Preciso acabar logo com isso, preciso lembrar que eu existo), inclusive, foi concebido por Roberto Carlos durante um cochilo, enquanto eles a compunham. Golaço! A música, lançada em compacto meses antes do álbum, logo se tornou um enorme hit, entrou para a trilha da novela “Beto Rockfeller”, entre outras trilhas (inclusive do blockbuster “Doze homens e outro segredo”) e colocou Erasmo de volta ao topo das paradas, tornando-se presença obrigatória em suas apresentações. Violão á lá Jorge Bem, com quem o músico havia morado junto anos antes, cuíca, tamborim e o Lado B inicia-se com “Coqueiro Verde”, um samba-rock de arrasar (embora creditado a dupla Roberto/Erasmo foi composto somente por Erasmo), que marca a volta do compositor ao Rio de Janeiro e homenageia sua noiva Narinha e símbolos da cidade maravilhosa da época ( a atriz Leila Diniz, o tabloide “O Pasquim” e a boate “Le Beateau”). Mais um sucesso. Mais uma canção emblemática da sua carreira. Nota dez! “Saudosismo”, de Caetano Veloso, aparece a seguir, firmando de vez o casamento do jovem-guardista com o tropicalismo e a MPB. “Eu, você, João, girando na vitrola sem parar”, canta Erasmo, sob mais um belo arranjo de Chiquinho de Moraes, a letra cheia de referências a clássicos da bossa, àquela altura nem tão nova assim, em homenagem a João Gilberto (“Melhor que ele, pra mim, só o Elvis”, escreveu Erasmo, em sua autobiografia “Minha fama de mau”, sobre o pai da bossa-nova) e terminando com a expressão "Chega de Saudade!". Surpreendendo ainda mais, uma insuspeitada “Aquarela do Brasil” surge no disco transformada em samba-rock. A instrumental “A bronca da Galinha (Porque viu o galo com outra) “ é mais um soul arrasa quarteirão, no melhor estilo Tim Maia, cheia de metais, palmas e “Hey!”. “Menina”, de Carlos Imperial em parceria com o falecido ator Ângelo Antonio, é uma balada, no clima das gravadas por Simonal, mas que fica abaixo das outras canções do disco, que se encerra com a balada “Vou Ficar Nú Pra Chamar Sua Atenção”, feita às pressas com o amigo para ser um clipe no filme “Roberto Carlos e o Diamante Cor-de-Rosa” (que seria o filme mais assistido no Brasil em 1970), gravada, inclusive, com o Tremendão gripado. Mais um sucesso nas paradas, motivado pela aparição no filme, a canção gerou algumas críticas dos conservadores pelo seu título. Alguns anos depois, na sua fase de aspirante a Julio Iglesias, um comportado Roberto Carlos a regravaria com o título de “Preciso Chamar Sua Atenção” e trocaria a última frase (“Vou acabar ficando nú pra chamar sua atenção”) por um tímido “Só me falta ficar nú pra chamar sua atenção”. Além de chamar a atenção, Erasmo, produtor artístico do álbum, encerraria com essa música, um disco de reflexões, despedidas e mudanças, que mostraria seu amadurecimento artístico.
Último disco gravado pela RGE e com uma capa que traz certa semelhança com o estupendo disco que o parceiro Roberto havia acabado de lançar, “Erasmo Carlos e Os Tremendões” marca a virada do artista de popstar do iê iê iê para um dos grandes compositores da música brasileira. No ano seguinte, assinaria contrato com a Phillips e, com liberdade total para gravar o que quisesse, faria o lendário “Carlos, Erasmo” e iniciaria a sua chamada “fase hippie”, em que faria uma série de álbuns espetaculares e entraria para sempre entre os grandes nomes da nossa música popular. O gentil e indestrutível Gigante do rock brasileiro.
Logo na abertura é possível antever o clima de mudança: “Desconfio que eu estou detendo o progresso, estou dez anos atrasado”, diz o compositor no samba rock,“Estou Dez Anos Atrasado”, parceria com Roberto, faixa que abre o disco, admirada pelo pessoal do "O Pasquim" (a sua letra traz críticas ao conservadorismo comportamental na qual estava alicerçada a ditadura vigente) e que foi incluída em 2015 no show/DVD “Meus Lados B”, onde comemorando seus 50 anos de carreira fonográfica, Erasmo apresentou músicas desconhecidas de seu repertório, mas que figuravam entre as suas preferidas . Em seguida, o groove do rock funk “Gloriosa”, com letra do então iniciante Vitor Martins, joga o clima para o alto. A triste “Espuma Congelada”, do obscuro baiano Piti, que também ganharia uma gravação de Clara Nunes, chega cheia de lirismo e psicodelia tropicalista, com mudanças de andamento e um belo arranjo de Chiquinho de Moraes. “Ficou no vento a minha cor, ficou por dentro a minha dor”, canta o quase baiano roqueiro carioca. O clima de despedida segue em “Teletema”, uma das muitas pérolas do pianista Antonio Adolfo em parceria com Tibério Gaspar (a primeira canção composta para uma terlenovela – “Véu de Noiva”), lançada em 1969 pela cantora Regininha. “Em cada curva, sem ter você vou mais só”, canta gilbertinianamente aquele que, anos antes em suas correspondências para o amigo Tim Maia, assinava Erasmo Gilberto. Destaque também para o belo piano e as harmonias vocais (pena que a falta de informações sobre a ficha técnica não esclareça quem está participando). Licks funk de guitarra e grooves de baixo fazem o soul, estilo que o cantor já havia flertado no disco anterior, rolar solto, enquanto Erasmo troca os carrões da boa vida de playboy da Jovem Guarda por um “Jeep”(mais uma letra de Vitor Martins) sem capota dos bichos-grilos cariocas. O hammond de Lafayette - instrumento cujo som tornou-se símbolo da Jovem Guarda depois que o Tremendão e o organista mais famoso do país se depararam com ele no estúdio na gravação do primeiro compacto de EC- ataca e entra em cena uma das canções mais bem sucedidas da parceria Roberto/Erasmo: “Sentado à Beira do Caminho”. Com uma estrutura simples, que se repete por toda canção, inspirada em “Honey”, de Bobby Russell, e com metais executando fraseados de bolero, a música, que foi gravada também com retumbante sucesso em espanhol e italiano, narra de forma metafórica o fim da Jovem Guarda e a desilusão do cantor perante o fim do sonho. O refrão da canção (Preciso acabar logo com isso, preciso lembrar que eu existo), inclusive, foi concebido por Roberto Carlos durante um cochilo, enquanto eles a compunham. Golaço! A música, lançada em compacto meses antes do álbum, logo se tornou um enorme hit, entrou para a trilha da novela “Beto Rockfeller”, entre outras trilhas (inclusive do blockbuster “Doze homens e outro segredo”) e colocou Erasmo de volta ao topo das paradas, tornando-se presença obrigatória em suas apresentações. Violão á lá Jorge Bem, com quem o músico havia morado junto anos antes, cuíca, tamborim e o Lado B inicia-se com “Coqueiro Verde”, um samba-rock de arrasar (embora creditado a dupla Roberto/Erasmo foi composto somente por Erasmo), que marca a volta do compositor ao Rio de Janeiro e homenageia sua noiva Narinha e símbolos da cidade maravilhosa da época ( a atriz Leila Diniz, o tabloide “O Pasquim” e a boate “Le Beateau”). Mais um sucesso. Mais uma canção emblemática da sua carreira. Nota dez! “Saudosismo”, de Caetano Veloso, aparece a seguir, firmando de vez o casamento do jovem-guardista com o tropicalismo e a MPB. “Eu, você, João, girando na vitrola sem parar”, canta Erasmo, sob mais um belo arranjo de Chiquinho de Moraes, a letra cheia de referências a clássicos da bossa, àquela altura nem tão nova assim, em homenagem a João Gilberto (“Melhor que ele, pra mim, só o Elvis”, escreveu Erasmo, em sua autobiografia “Minha fama de mau”, sobre o pai da bossa-nova) e terminando com a expressão "Chega de Saudade!". Surpreendendo ainda mais, uma insuspeitada “Aquarela do Brasil” surge no disco transformada em samba-rock. A instrumental “A bronca da Galinha (Porque viu o galo com outra) “ é mais um soul arrasa quarteirão, no melhor estilo Tim Maia, cheia de metais, palmas e “Hey!”. “Menina”, de Carlos Imperial em parceria com o falecido ator Ângelo Antonio, é uma balada, no clima das gravadas por Simonal, mas que fica abaixo das outras canções do disco, que se encerra com a balada “Vou Ficar Nú Pra Chamar Sua Atenção”, feita às pressas com o amigo para ser um clipe no filme “Roberto Carlos e o Diamante Cor-de-Rosa” (que seria o filme mais assistido no Brasil em 1970), gravada, inclusive, com o Tremendão gripado. Mais um sucesso nas paradas, motivado pela aparição no filme, a canção gerou algumas críticas dos conservadores pelo seu título. Alguns anos depois, na sua fase de aspirante a Julio Iglesias, um comportado Roberto Carlos a regravaria com o título de “Preciso Chamar Sua Atenção” e trocaria a última frase (“Vou acabar ficando nú pra chamar sua atenção”) por um tímido “Só me falta ficar nú pra chamar sua atenção”. Além de chamar a atenção, Erasmo, produtor artístico do álbum, encerraria com essa música, um disco de reflexões, despedidas e mudanças, que mostraria seu amadurecimento artístico.
Último disco gravado pela RGE e com uma capa que traz certa semelhança com o estupendo disco que o parceiro Roberto havia acabado de lançar, “Erasmo Carlos e Os Tremendões” marca a virada do artista de popstar do iê iê iê para um dos grandes compositores da música brasileira. No ano seguinte, assinaria contrato com a Phillips e, com liberdade total para gravar o que quisesse, faria o lendário “Carlos, Erasmo” e iniciaria a sua chamada “fase hippie”, em que faria uma série de álbuns espetaculares e entraria para sempre entre os grandes nomes da nossa música popular. O gentil e indestrutível Gigante do rock brasileiro.
(Texto:Leandro L.Rodrigues)
O Gigante Gentil se foi,mas sua arte permanece.
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