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segunda-feira, 25 de abril de 2016

Ratos de Porão, Sacos de Ratos, Gricerina e B.R.F. - Parque Raul Seixas 02/04/2016







Era uma tarde ensolarada de sábado no parque Raul Seixas, situado no Bairro da Cohab 2, em Itaquera zona  leste de  São Paulo, local este escolhido para ser palco da quarta e  Penúltima apresentação da banda Ratos de Porão, no Circuito Municipal de Cultura, evento promovido pela secretaria de cultura da cidade de São Paulo, uma ressalva que durante esta apresentação do Ratos de Porão diferente do que ocorreu no C.E.U. Aricanduva e C.E.U. Perus foi a opção por bandas de abertura, o que achei uma ótima oportunidade para as bandas divulgarem seu trabalho e terem a honra de tocarem com umas das maiores lendas do Crossover Mundial. As 17:00 pontualmente subiu ao palco a primeira banda de abertura B.F.R (Baseado em Fatos Reais) , banda punk formada no mesmo bairro em meados de 1997 e continuando na ativa até hoje, os caras mandaram seu tradicional Punk rock que em muito me lembrou o Cólera nos áureos tempos do Redson , com muita empolgação apesar de alguns problemas técnico empolgou muitos dos presentes e fez a galera começar a poguear e entrar no clima, com algumas pausas para os tradicionais discursos politizados os caras mandaram bem seu recado tanto musical quanto ideológico, após uma pequena pausa,  subiu ao palco do parque Raul Seixas a Banda Gricerina , formada em novembro de 2007, a banda  executa um som Hardcore/Punk com muitas pegadas de Crossover, os caras fizeram uma verdadeira devastação em forma de show, divulgando seu ultimo Álbum "Mais um dia de loucura Chegando " , intercalando com diversas musicas da carreira da banda os caras fizeram com que a pista virasse um verdadeiro pandemônio , abrindo com a música “Adoradores do estado e do capeta” seguida por “Campinho de Futebol, bolinha de leite” e “Mais um dia de Loucura Chegando” com a galera agitando muitos mosh Pits e Stage Dives. Gricerina sobretudo deu uma aula de Hardcore e de muita humildade , chegando ao ponto de tocarem uma música do Cólera “Subúrbio Geral” contagiando ainda mais o público, finalizando seu show com a clássica "Rolé na Augusta" chamando diversos amigos para subirem ao palco e cantarem  juntos, os caras realmente cativaram a todos, mesmo aos que nunca haviam ouvido a banda, sendo bastante aplaudido por todos que ali estavam, na sequencia tivemos a banda Saco de Ratos uma banda que mesclava elementos de jazz com rock and roll e lembrava em muito Velhas virgens porém mais bem trabalhada diga-se de passagem, sinceramente acredito que esta  não era uma banda pra abrir pro Ratos de Porão devido ao seu tipo de som mais voltado a Rock And Roll mais trabalhado e menos agitado ao mesmo tempo deu uma deixa para que a galera pudesse beber um pouco conversar , rever os amigos e fazer uma social antes que  o show principal começasse, após  uma longa espera eis que surge ao palco uma das maiores entidades do Crossover mundial Ratos de Porão iniciando seu Set list com "Amazônia nunca Mais" levantando todo o publico sedento por musica pesada , criando as primeiras rodas de mosh , seguida da excelente e destrutiva “Conflito Violenta” musica que pertence ao seu último álbum ”Século Sinistro”, para os fãs mais conservadores os caras fizeram um set list impecável tocando seus maiores clássicos, tocando sons como “Crise Geral”, “Plano Furado”, ”Diet Paranoia” , “Beber até Morrer” ,“Anarcophobia” ,“Crucificados Pelo Sistema”, ’’Igreja Universal”, “Suposicollor” , Crocodila” ; dentre muitas outras realmente foi um show para lavar a alma do publico há de se enaltecer a diversidade de públicos que tivemos durante este evento o parque Raul Seixas estava cheio de crianças, adultos e idosos, era nítido que existia o publico do Metal , diversos Punks, músicos de diversas localidades , rappers , enfim foi muito gratificante ver diversas pessoas de diferentes lugares com ideias diferentes convivendo pacificamente durante o evento , a único ponto negativo foi uma falha na PA de voz durante a apresentação do Ratos de Porão que prejudicou um pouco a audição da voz de João Gordo da metade do show pra frente, problema este que foi sanado antes do termino do show, sobre tudo foi um evento muito completo que conseguiu cumprir a difícil tarefa de divulgar bandas mais modestas com uma banda considerada lendária em um mesmo espaço ao mesmo tempo deu um gostinho de saudosismo aos mais velhos e um gás na geração nova, esperamos ansiosamente por mais eventos deste porte onde podemos ver que a música ainda é o ponto maior que nos une diante de tantas coisas que nos separam.  


(Texto: Danylo Paulo)
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segunda-feira, 11 de abril de 2016

Zeca Baleiro - Líricas (2000)









Depois de ser descoberto pelo produtor Mazolla, gravar um primeiro disco bem-humorado, ´´Por Onde Andará Stephen Fry?´´, chamar a atenção do publico no acústico de Gal Costa para a MTV, ser multipremiado pela critica por seu álbum de estréia, gravar um segundo disco, ``Vô imbolá´´, repletode misturas e participações e colocar uma canção nas paradas de sucesso nacionais, ``Lenha´´, Zeca Baleiro chegou no ano de 2000 disposto a fazer diferente. Desligou os instrumentos, colocou o sampler de lado e gravou ``Liricas´´ seu disco mais intimista e profundo.
"É mais fácil cultuar os mortos que os vivos", é a primeira frase do álbum. Com violinos, arranjo e regências de Eduardo Souto Neto, "Minha casa", a música de abertura, dá o tom de sarau, nostalgia e beira de estrada que povoará todo o álbum. Com seu eu-lírico sentado na porta de casa, a canção retrata a disputa interna daquele que pensa em se arriscar, mas prefere a segurança de ver o mundo passar como uma escola de samba que atravessa. "Comigo" é uma balada com clarinete, trompa, hammond e violão de 12 cordas. "Proibida pra mim", versão delicada para um rock do Charlie Brown Jr., vem em seguida com violão, gaita e órgão hammond, confirmando Baleiro como um neotropicalista. Golaço! A cover agradou tanto que Chorão, vocalista do CBJ, pediu para o artista toca-la em seu casamento, mas, é claro, gerou crítica entre os "inteligentes" de plantão. Acontece com todo tropicalista que se preze. Sem dar tempo pra respirar, "Babylon" aparece. Um dos pontos altos do disco, a música, que virou um clássico do repertório de ZB, era originalmente um reggae feito em reação aos "reggaes fakes" que o cantor dizia ouvir muito em São Luís do Maranhão (cidade onde foi criado). Para se enquadrar na temática de "Líricas" já que os resultados obtidos nas tentativas de incluí-la nos álbuns anteriores não foram satisfatórios, o cantor/compositor/ produtor do álbum mudou a levada e contou com o auxílio luxuoso de Celso Fonseca no violão, Arthur Maia no baixolão e Carlos Ranoya com o acordeom que funciona como fio condutor da melodia cuja letra, cheia de ironia, fala dos anseios hedonistas de um personagem principal que, ao contrário dos rastas (um rasta fake?), quer botar sua alma à venda e viver dos prazeres oferecidos pela Babylon. "Balada para Giorgio Armani" resgata as conversas com celebridades que povoaram o primeiro álbum, mas com a acidez que o clima pede ("A cor dessa estação é cinza como o céu de estanho") tendo como tema a velha dualidade: os que tem tudo vs os que nada tem ("O medo é a moda desta triste temporada"). "Ê boi", com enxerto de "Poema sujo" do poeta Ferreira Gullar (também maranhense) e participação do conterrâneo Nosly, é pura nostalgia do Maranhão. Sanfoninha, violão, violoncelo e triângulo e "Nalgum lugar" aparece. Motivada pela cena antológica do filme "Hannah e suas irmãs" em que o personagem de Michael Caine dá voltas no quarteirão para forçar um encontro casual com sua cunhada e presentea-la com um livro de E.E.Cumings, Zeca ficou com o poema - que o personagem lia em voz alta no filme - na cabeça. Quando descobriu a tradução deste por Augusto de Campos decidiu musica-lo. Resultado: uma das mais bonitas canções de um belo disco. Violões à la Secos & Molhados e "Quase nada" , parceria com Alice Ruiz, chega com Vander Lee e Suely Mesquita nos vocais de fundo para se transformar num dos maiores sucessos da carreira do artista."Qual é a parte da sua estrada no meu caminho?" pergunta a letra nos lembrando que o personagem que via o mundo passar pela porta de sua casa continua ali. "Você só pensa em grana" traz o piano de Sacha Amback e muita tristeza. Em época de alegrias projetadas por comerciais de Tv e coreografia de bandas de axé e bondes de funk, o compositor, solitário em sua falta de ambição material, fuzila:"Poeta bom, meu bem, poeta morto". "Banguela" e suas brincadeiras ganha em beleza com a participação de Ná Ozzetti. A presença da cantora nessa canção, cuja letra traz uma familiaridade com as de Itamar Assumpção - já citado pelo cantor numa letra do isco anterior - coloca o álbum em contato com a Vanguarda Paulista dos anos 80. "Blues de elevador" tem gaitas, violão e o sentimento de solidão.O disco encerra com clarinete, violinos, cello, acordeon e "Brigitte Bardot", canção que com seus versos sobre saudade ("A saudade é um filme sem cor que o meu coração quer ver colorido") e a mãe do cantor cantarolando "Na virada da montanha"(AryBarroso/Lamartine Babo) pelo telefone no final dá ao disco de capa preta e branca arroxeada um fim de filme neo-realista europeu dos anos 50. Nada mais adequado. Na porta de sua casa/corpo à beira da estrada/mundo, o personagem se questionou,viu estrelas no céu, cantou sucessos do momento, sonhou com uma vida de prazeres, folheou revistas, lembrou de sua infância,viu filmes, se apaixonou, decepcionou-se, se sentiu sozinho e terminou nostálgico. Mas ainda sonhando. Ainda poeta. FINE.
Depois disso, o artista se aproximou da música eletrônia em "Pet Shop Mundo Cão" _ álbum que contém o hit "Telegrama" - gravou um álbum de parceria com Fagner, se firmou com um dos grandes compositores de sua geração, resgatou a obra de Sergio Sampaio e mergulhou no bailão brega. Mas foi com "Líricas" que ele confirmou que vinha pra ficar. E com muita bala na agulha!



(Leandro L.Rodrigues)
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segunda-feira, 4 de abril de 2016

Van Halen - 1984 (1984)









Quando o ano de 1984 chegou, o Van Halen era a banda do momento. Acabara de ser incluída no livro Guinness como a banda mais bem paga de todos os tempos, cada disco que lançava vendia mais que o anterior e Eddie Van Halen há anos encabeçava a lista do melhor guitarrista do mundo. Isso sem falar na participação do guitarrista, a pedido do produtor Quincy Jones, do histórico disco ´´Thriller´´ (o Lp mais vendido da História) de Michael Jackson, contribuindo com um de seus geniais solos em ´´Beat it´´,o que alargara ainda mais os horizontes da banda. Porém, Van Halen queria ir além...Insatisfeito com as concessões que tivera que fazer no último disco da banda, Diver Down - como gravar "Dancing in the streets", de Marvin Gaye, que ele não queria de jeito algum e só o fez por pressão do vocalista David Lee Roth ("O David queria transformar o Van Halen numa banda de Las Vegas") e do produtor Ted Templeman - o guitarrista montou um estúdio no quintal de sua casa (o 5150) para poder gravar um disco do jeito que ele quisesse. Começava aí o nascimento de uma obra-prima que se não é o melhor trabalho da banda - não vejo como a qualidade do disco de estréia ser superada - é um de seus discos mais representativos.
Se a faixa-título, com seu som espacial de baixo sintetizado e sintetizadores mostra uma diferença para o som tradicional do Van Halen, a faixa seguinte, "Jump", é um giro de cento e oitenta graus. Com seu riff de sintetizador, bem ao estilo das bandas de AOR que inundavam as FMs naquele ano, a música, que se tornou o maior hit da história da banda e um dos maiores da década de 80, é totalmente diferente de tudo que eles haviam lançado até então. Com letra feita pelo vocalista David Lee Roth, que não gostava nada da música e tentou inclusive dissuadir Eddie da idéia de incluí-la no disco (corre rumores de que ela foi uma das responsáveis pela saída do vocalista da banda), inspirada em um homem que ele viu na beira de um parapeito de um arranha-céu e um fantástico solo de guitarra, que Van Halen diz ser um de seus favoritos(resultado da colagem feita pelo produtor de pedaços de dois solos diferentes), além das sensacionais viradas do baterista Alex Van Halen,"Jump" marcava também outra virada na carreira do grupo: se os discos anteriores perdiam por não conterem os pulos, rebolados e piruetas do vocalista da banda, a música com seu bem-sucedido vídeo-clip - exibido à exaustão na MTV - agora trazia toda imagem da banda grudada em seu som. Ao ouvir "Jump" é impossível não lembrar dos pulos de David Lee Roth. Só poderia dar em sucesso. Após o impacto inicial, o riff de "Panama" traz de volta o velho Van Halen. Com sua letra de duplo sentido (Panama pode ser tanto uma mulher quanto um carro), seu clima alegre e o refrão gritado por backing vocals, a música, que traz o ronco da Lamborghini de Eddie, é um típico rock do Van Halen. Outro sucesso. E mais uma cujo clip, com os integrantes da banda voando no palco, grudou em seu som. "Top Jimmy" é uma homenagem de David Lee Roth a James Paul Konceck (o Top Jimmy) e sua banda de rock/blues, Top Jimmy & the Rhythm Pigs, cujas apresentações nas segundas-feiras (Blue Mondays) no nightclub Cathay, em Los Angeles, contavam sempre que possível com a presença do vocalista do Van Halen na plateia ("Top Jimmy is the king"). A música, um dos pontos altos do disco, tem uma levada bem no clima da banda homenageada e traz Lee Roth cantando em duo com o baixista Michael Anthony em parte dos vocais. "Drop dead legs" encerra a primeira parte do disco (o Lado A) com mais um maravilhoso riff de Eddie, o baixo pulsante de Anthony (além de seus característicos backing vocals) e os vocais marcantes de Lee Roth, o que nos faz avaliar a diferença que ele faria em músicas posteriores da banda que apresentam uma familiaridade com essa. Mas quando entra o Lado B é que a coisa estremece. Com o memorável solo de bateria do excepcional Alex e Eddie mandando ver com a mesma Gibson Flying V usada em "Drop dead legs" (o sobrenome dos irmãos tinha mesmo que ser o nome da banda!), "Hot for teacher" e sua letra sobre a atração sexual do aluno pela professora é um hard frenético com direito a paradinhas, falas capciosas de Lee Roth, um apoteótico final. Como se não bastasse, a música ainda gerou um dos melhores vídeo-clips da história com crianças caracterizadas como os membros da banda. Nota dez para a música e para o clip! Depois do frenesi de "Hot for teacher", "I'll wait" chega com mais sintetizadores e uma inusitada parceria da banda com o ex-Doobie Brothers Michael McDonnald, cujo nome só foi incluído nos créditos depois de muita luta. Essa é outra que Lee Roth tentou tirar do álbum. "Girl gone bad" traz mais uma vez o brilhantismo de Eddie na guitarra e a personalidade vocal de David. O disco encerra com "House of pain", canção resgatada da demo apadrinhada por Gene Simmons (Kiss) em 1974, cuja fantástica apoteose instrumental final encerra de forma zeppeliniana mais um grande disco da banda.
O caminho estava aberto. O disco foi direto para o segundo lugar das paradas (o primeiro ainda era de "Thriller"), vendeu milhões de cópias e consegrou de vez a banda. Daí por diante, dezenas de banda surgiriam em Los Angeles apostando na imagem de seus vocalistas, na rapidez de sues guitarristas, na magia de seus teclados e na força de seus vídeo-clips para chegarem ao topo (Estava iniciada a era do "hard-rock shampoo") e o Van Halen nunca mais seria o mesmo: Lee Roth partiria para uma carreira-solo, com uma banda de fazer inveja ao VH, e a banda seguiria com Sammy Hagar nos vocais. Banda e ex-vocalista passariam anos trocando farpas em entrevistas e títulos de álbuns e se encontrariam anos depois em dispensáveis caça-níqueis.
Se o livro homônimo de George Orwell, escrito em 1984, fazia uma previsão pessimista com um mundo dominado pelo totalitarismo e o pensamento único, cercado de vigilância e "teletelas", o disco do Van Halen é o retrato em tempo real daquele mesmo ano na "Terra da Democracia". Ali está a Califórnia dos anos 80 com seu hedonismo, seus nightclubs, seus carrões, sua MTV, suas prostitutas, seus alunos desinteressados, sua luxuria, seus suicidas e sua inocência perdida (retratada pela irônica capa de um anjo fumando - capa esta que substituiu a ideia original que era de strippers cromatizadas). E , sobretudo, com uma de suas grandes bandas de rock pesado no auge de seus poderes.


(Texto: Leandro L.Rodrigues)
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sexta-feira, 1 de abril de 2016

Gilberto Gil - Refazenda (1975)








Em 1972, Gilberto Gil voltou do exílio londrino com força total. Lançou, no mesmo ano o antológico álbum ``Expresso 2222´´ (que merece resenha própria); em 1973, viveu um dos epsódios mais emblemáticos da música brasileira, quando seu microfone e o do parceiro Chico Buarque foi cortado durante a apresentação da musica ``Cálice´´, o que materializou a mensagem da obra; assumiu a direção musical de trabalhos de Gal Costa e Jorge Mautner e voltou ao topo das paradas com ``Eu Só Quero Um Xodó´´ e ``Maracatu Atômico´´. Em 75, depois de lançar um álbum magico ao lado de Jorge ben, ``Ogum e Xangô´´, entraria em estudio para dar forma a mais um clássico absoluto da música brasileira: Refazenda.
A capa, com o artista vestindo kimono e se alimentando de comida macrobiótica e cercado por uma teia repleta de símbolos religiosos, familiares e sociais, já indicava o conteúdo do álbum: Gil iria viajar para o interior de si mesmo, do país, da sua música, da sua fé. Iria refazer-se. Com um violão ao estilo Jorge Ben (parceiro cuja sintonia absoluta pode ser comprovada no álbum lançado no mesmo ano) e uma exuberante linha de baixo de Moacir Albuquerque (o baixista da turma toda nos anos 70), o popsambalanço "Ela" abre o álbum em alta voltagem com Gil refletindo sua relação com a música e a mulher amada. "Tenho sede" surge com o acordeon de Dominguinhos - que permeará todo álbum representando o interior do Nordeste também sempre presente nos contornos da alma do compositor de Ituaçu - e sua simplicidade aliados ao falsete mágico e o belo violão de Gil. "A planta pede chuva quando quer brotar, o seu logo escurece quando vai chover", diz a letra contemplativa bem em sintonia com a temática de questionamento, reflexão e observação das naturezas do álbum. A música título vem em seguida com sua melodia envolvente, emoldurada pela beleza do acordeon de Dominguinhos e a orquestração de Perinho Albuquerque, e sua letra controversa, um nonsense cheio de sentido onde abacateiros, patos, leões, tomates e mamões se juntam e se combinam culminando num trecho de "Mulher rendeira", a música composta pelo cangaceiro Lampião, e terminando com a palavra "Guariroba", que além de ser o nome de uma árvore,era também o nome de uma fazenda de um grupo de amigos do músico onde eles pensavam em formar uma comunidade alternativa. O artista seguiria o exemplo da natureza e deixaria a vida seguir seu fluxo, com momentos de recolhimento, momentos de fruto e momentos de aprender e outros de ensinar (Alguns interpretaram o abacateiro e seu ato como uma referência ao regime dos militares - hipótese possível, embora desmentida pelo compositor - mas simples demais para uma composição do Gil de então). Nota dez! "Pai e mãe" dá sequencia questionando os padrões conservadores de família e afetividade. Fala de maneira elegante sobre homossexualismo ("Eu passei muito tempo aprendendo a beijar outros homens como eu beijo meu pai") e a renovação dos valores familiares ("Minha mãe como vai?Como vão seu temores?") contornado pela flauta mágica de Altamiro Carrilho, um belo violão de 7 cordas de Dino e, claro, o acordeon de Dominguinhos. "Jeca total",composta, segundo o próprio, sob inspiração de ver a obra de Jorge Amado na Tv a cores ("Assistindo Gabriela viver tantas cores"), é uma primeira incursão do universo do compositor no mundo de Monteiro Lobato (mistura essa que resultaria na bem sucedida canção tema do programa "Sítio do Pica-Pau Amarelo" em 1977), Nesta Gil propõe a transformação do Jeca Tatu num Jeca Total. Uma transmutação nietzschiana do interiorano, alienado e acomodado personagem de Lobato que encontra seu ideal na figura do antenado poeta Jorge Salomão (também nascido no interior da Bahia e na ocasião figurando em Nova Iorque). "Essa é pra tocar no rádio" (também presente no disco-jam ao lado de Jorge) é uma representante das gravações do mal fadado projeto "Cidade de Salvador" (LP que Gil gravou para lançar em 1973, mas, sabe-se lá porque, abandonou e o trabalho só veio à luz em 1999), com Rubão Sabino no baixo e Tutti Moreno na bateria, a letra questiona em tom de deboche os critérios de escolha dos programadores de rádio num jazz-funk na linha Miles Davis setentista totalmente em desacordo com o seu título. De todas as músicas do Lp, ela é a que tinha menos chance de tocar nas rádios. "Ê,povo, Ê" é um pop com sotaque nordestino com um belo trombone tocado por Bogado e que faria sucesso na trilha de qualquer telenovela (surpreendentemente nunca entrou em nenhuma). "Retiros espirituais" vem na sequencia com um belo trabalho de Gil usando pedais na sua guitarra num poema musicado que trata da filosofia taoísta do wu wei (ação sem ação) e cannabis. Um belo momento de introspecção que o artista diz ser um de seus preferidos em toda sua obra. Em "O Rouxinol", música que viria a batizar o bem-sucedido álbum para o mercado norte-americano (The Nightingale) que o artista lançou em 78 sob a produção de Sergio Mendes, o pássaro de Sousândrade, o visionário poeta maranhense re-visto pelos concretistas irmãos Campos (Haroldo e Augusto) nos anos 60, reaparece na voz e na forma do transmutado Gilberto Misterioso insinuado por Caetano numa letra típica de Jorge Mautner acompanhada do ágil violão de Fredera. "Lamento sertanejo", letra de Gil para música feita por Dominguinhos, que declarou nos anos 2000 que "Refazenda" foi um dos discos mais bonitos no qual ele trabalhou, nos anos 60 , fecha o ciclo de maneira brilhante e emocionante. O navegador de "Ela" que saiu cheio de sede pelo mundo enfrentando procelas, questionando valores, fazendo-se e refazendo-se, vê-se num grande centro como uma rês desgarrada na boiada da cidade. Está contrariado, mas agora sabe qual é a real diferença e termina o trabalho em plena "Meditação" (talvez no mesmo tatami da capa) e com efeitos de pedal. "Tudo sempre acaba sendo o que era de se esperar", conclui.
Produzido por Mazolla, o interiorano "Refazenda" (passado) é o disco que inicia a famosa trilogia "Re" do compositor, em 77 viria o afro "Refavela" (presente) e em 79, o universal "Realce" (futuro), a patrulha ideológica criticou o trabalho pela falta de engajamento político, os conservadores continuaram torcendo o nariz para seu espírito libertário, mas a vida seguiu e o resultado do disco foi a consolidação do cantor como um nome de peso para a gravadora. Estava dado o pontapé inicial para uma trilogia clássica de uma carreira recheada de discos históricos. 


(Texto: Leandro L.Rodrigues)
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