Destaques

segunda-feira, 11 de abril de 2016

Zeca Baleiro - Líricas (2000)









Depois de ser descoberto pelo produtor Mazolla, gravar um primeiro disco bem-humorado, ´´Por Onde Andará Stephen Fry?´´, chamar a atenção do publico no acústico de Gal Costa para a MTV, ser multipremiado pela critica por seu álbum de estréia, gravar um segundo disco, ``Vô imbolá´´, repletode misturas e participações e colocar uma canção nas paradas de sucesso nacionais, ``Lenha´´, Zeca Baleiro chegou no ano de 2000 disposto a fazer diferente. Desligou os instrumentos, colocou o sampler de lado e gravou ``Liricas´´ seu disco mais intimista e profundo.
"É mais fácil cultuar os mortos que os vivos", é a primeira frase do álbum. Com violinos, arranjo e regências de Eduardo Souto Neto, "Minha casa", a música de abertura, dá o tom de sarau, nostalgia e beira de estrada que povoará todo o álbum. Com seu eu-lírico sentado na porta de casa, a canção retrata a disputa interna daquele que pensa em se arriscar, mas prefere a segurança de ver o mundo passar como uma escola de samba que atravessa. "Comigo" é uma balada com clarinete, trompa, hammond e violão de 12 cordas. "Proibida pra mim", versão delicada para um rock do Charlie Brown Jr., vem em seguida com violão, gaita e órgão hammond, confirmando Baleiro como um neotropicalista. Golaço! A cover agradou tanto que Chorão, vocalista do CBJ, pediu para o artista toca-la em seu casamento, mas, é claro, gerou crítica entre os "inteligentes" de plantão. Acontece com todo tropicalista que se preze. Sem dar tempo pra respirar, "Babylon" aparece. Um dos pontos altos do disco, a música, que virou um clássico do repertório de ZB, era originalmente um reggae feito em reação aos "reggaes fakes" que o cantor dizia ouvir muito em São Luís do Maranhão (cidade onde foi criado). Para se enquadrar na temática de "Líricas" já que os resultados obtidos nas tentativas de incluí-la nos álbuns anteriores não foram satisfatórios, o cantor/compositor/ produtor do álbum mudou a levada e contou com o auxílio luxuoso de Celso Fonseca no violão, Arthur Maia no baixolão e Carlos Ranoya com o acordeom que funciona como fio condutor da melodia cuja letra, cheia de ironia, fala dos anseios hedonistas de um personagem principal que, ao contrário dos rastas (um rasta fake?), quer botar sua alma à venda e viver dos prazeres oferecidos pela Babylon. "Balada para Giorgio Armani" resgata as conversas com celebridades que povoaram o primeiro álbum, mas com a acidez que o clima pede ("A cor dessa estação é cinza como o céu de estanho") tendo como tema a velha dualidade: os que tem tudo vs os que nada tem ("O medo é a moda desta triste temporada"). "Ê boi", com enxerto de "Poema sujo" do poeta Ferreira Gullar (também maranhense) e participação do conterrâneo Nosly, é pura nostalgia do Maranhão. Sanfoninha, violão, violoncelo e triângulo e "Nalgum lugar" aparece. Motivada pela cena antológica do filme "Hannah e suas irmãs" em que o personagem de Michael Caine dá voltas no quarteirão para forçar um encontro casual com sua cunhada e presentea-la com um livro de E.E.Cumings, Zeca ficou com o poema - que o personagem lia em voz alta no filme - na cabeça. Quando descobriu a tradução deste por Augusto de Campos decidiu musica-lo. Resultado: uma das mais bonitas canções de um belo disco. Violões à la Secos & Molhados e "Quase nada" , parceria com Alice Ruiz, chega com Vander Lee e Suely Mesquita nos vocais de fundo para se transformar num dos maiores sucessos da carreira do artista."Qual é a parte da sua estrada no meu caminho?" pergunta a letra nos lembrando que o personagem que via o mundo passar pela porta de sua casa continua ali. "Você só pensa em grana" traz o piano de Sacha Amback e muita tristeza. Em época de alegrias projetadas por comerciais de Tv e coreografia de bandas de axé e bondes de funk, o compositor, solitário em sua falta de ambição material, fuzila:"Poeta bom, meu bem, poeta morto". "Banguela" e suas brincadeiras ganha em beleza com a participação de Ná Ozzetti. A presença da cantora nessa canção, cuja letra traz uma familiaridade com as de Itamar Assumpção - já citado pelo cantor numa letra do isco anterior - coloca o álbum em contato com a Vanguarda Paulista dos anos 80. "Blues de elevador" tem gaitas, violão e o sentimento de solidão.O disco encerra com clarinete, violinos, cello, acordeon e "Brigitte Bardot", canção que com seus versos sobre saudade ("A saudade é um filme sem cor que o meu coração quer ver colorido") e a mãe do cantor cantarolando "Na virada da montanha"(AryBarroso/Lamartine Babo) pelo telefone no final dá ao disco de capa preta e branca arroxeada um fim de filme neo-realista europeu dos anos 50. Nada mais adequado. Na porta de sua casa/corpo à beira da estrada/mundo, o personagem se questionou,viu estrelas no céu, cantou sucessos do momento, sonhou com uma vida de prazeres, folheou revistas, lembrou de sua infância,viu filmes, se apaixonou, decepcionou-se, se sentiu sozinho e terminou nostálgico. Mas ainda sonhando. Ainda poeta. FINE.
Depois disso, o artista se aproximou da música eletrônia em "Pet Shop Mundo Cão" _ álbum que contém o hit "Telegrama" - gravou um álbum de parceria com Fagner, se firmou com um dos grandes compositores de sua geração, resgatou a obra de Sergio Sampaio e mergulhou no bailão brega. Mas foi com "Líricas" que ele confirmou que vinha pra ficar. E com muita bala na agulha!



(Leandro L.Rodrigues)

Um comentário:

  1. Tem artista que não dá crédito à influência tropicalista... Prefiro não citar nomes.

    ResponderExcluir

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...