Quando o ano de 1984 chegou, o Van Halen era a banda do momento. Acabara de ser incluída no livro Guinness como a banda mais bem paga de todos os tempos, cada disco que lançava vendia mais que o anterior e Eddie Van Halen há anos encabeçava a lista do melhor guitarrista do mundo. Isso sem falar na participação do guitarrista, a pedido do produtor Quincy Jones, do histórico disco ´´Thriller´´ (o Lp mais vendido da História) de Michael Jackson, contribuindo com um de seus geniais solos em ´´Beat it´´,o que alargara ainda mais os horizontes da banda. Porém, Van Halen queria ir além...Insatisfeito com as concessões que tivera que fazer no último disco da banda, Diver Down - como gravar "Dancing in the streets", de Marvin Gaye, que ele não queria de jeito algum e só o fez por pressão do vocalista David Lee Roth ("O David queria transformar o Van Halen numa banda de Las Vegas") e do produtor Ted Templeman - o guitarrista montou um estúdio no quintal de sua casa (o 5150) para poder gravar um disco do jeito que ele quisesse. Começava aí o nascimento de uma obra-prima que se não é o melhor trabalho da banda - não vejo como a qualidade do disco de estréia ser superada - é um de seus discos mais representativos.
Se a faixa-título, com seu som espacial de baixo sintetizado e sintetizadores mostra uma diferença para o som tradicional do Van Halen, a faixa seguinte, "Jump", é um giro de cento e oitenta graus. Com seu riff de sintetizador, bem ao estilo das bandas de AOR que inundavam as FMs naquele ano, a música, que se tornou o maior hit da história da banda e um dos maiores da década de 80, é totalmente diferente de tudo que eles haviam lançado até então. Com letra feita pelo vocalista David Lee Roth, que não gostava nada da música e tentou inclusive dissuadir Eddie da idéia de incluí-la no disco (corre rumores de que ela foi uma das responsáveis pela saída do vocalista da banda), inspirada em um homem que ele viu na beira de um parapeito de um arranha-céu e um fantástico solo de guitarra, que Van Halen diz ser um de seus favoritos(resultado da colagem feita pelo produtor de pedaços de dois solos diferentes), além das sensacionais viradas do baterista Alex Van Halen,"Jump" marcava também outra virada na carreira do grupo: se os discos anteriores perdiam por não conterem os pulos, rebolados e piruetas do vocalista da banda, a música com seu bem-sucedido vídeo-clip - exibido à exaustão na MTV - agora trazia toda imagem da banda grudada em seu som. Ao ouvir "Jump" é impossível não lembrar dos pulos de David Lee Roth. Só poderia dar em sucesso. Após o impacto inicial, o riff de "Panama" traz de volta o velho Van Halen. Com sua letra de duplo sentido (Panama pode ser tanto uma mulher quanto um carro), seu clima alegre e o refrão gritado por backing vocals, a música, que traz o ronco da Lamborghini de Eddie, é um típico rock do Van Halen. Outro sucesso. E mais uma cujo clip, com os integrantes da banda voando no palco, grudou em seu som. "Top Jimmy" é uma homenagem de David Lee Roth a James Paul Konceck (o Top Jimmy) e sua banda de rock/blues, Top Jimmy & the Rhythm Pigs, cujas apresentações nas segundas-feiras (Blue Mondays) no nightclub Cathay, em Los Angeles, contavam sempre que possível com a presença do vocalista do Van Halen na plateia ("Top Jimmy is the king"). A música, um dos pontos altos do disco, tem uma levada bem no clima da banda homenageada e traz Lee Roth cantando em duo com o baixista Michael Anthony em parte dos vocais. "Drop dead legs" encerra a primeira parte do disco (o Lado A) com mais um maravilhoso riff de Eddie, o baixo pulsante de Anthony (além de seus característicos backing vocals) e os vocais marcantes de Lee Roth, o que nos faz avaliar a diferença que ele faria em músicas posteriores da banda que apresentam uma familiaridade com essa. Mas quando entra o Lado B é que a coisa estremece. Com o memorável solo de bateria do excepcional Alex e Eddie mandando ver com a mesma Gibson Flying V usada em "Drop dead legs" (o sobrenome dos irmãos tinha mesmo que ser o nome da banda!), "Hot for teacher" e sua letra sobre a atração sexual do aluno pela professora é um hard frenético com direito a paradinhas, falas capciosas de Lee Roth, um apoteótico final. Como se não bastasse, a música ainda gerou um dos melhores vídeo-clips da história com crianças caracterizadas como os membros da banda. Nota dez para a música e para o clip! Depois do frenesi de "Hot for teacher", "I'll wait" chega com mais sintetizadores e uma inusitada parceria da banda com o ex-Doobie Brothers Michael McDonnald, cujo nome só foi incluído nos créditos depois de muita luta. Essa é outra que Lee Roth tentou tirar do álbum. "Girl gone bad" traz mais uma vez o brilhantismo de Eddie na guitarra e a personalidade vocal de David. O disco encerra com "House of pain", canção resgatada da demo apadrinhada por Gene Simmons (Kiss) em 1974, cuja fantástica apoteose instrumental final encerra de forma zeppeliniana mais um grande disco da banda.
O caminho estava aberto. O disco foi direto para o segundo lugar das paradas (o primeiro ainda era de "Thriller"), vendeu milhões de cópias e consegrou de vez a banda. Daí por diante, dezenas de banda surgiriam em Los Angeles apostando na imagem de seus vocalistas, na rapidez de sues guitarristas, na magia de seus teclados e na força de seus vídeo-clips para chegarem ao topo (Estava iniciada a era do "hard-rock shampoo") e o Van Halen nunca mais seria o mesmo: Lee Roth partiria para uma carreira-solo, com uma banda de fazer inveja ao VH, e a banda seguiria com Sammy Hagar nos vocais. Banda e ex-vocalista passariam anos trocando farpas em entrevistas e títulos de álbuns e se encontrariam anos depois em dispensáveis caça-níqueis.
Se o livro homônimo de George Orwell, escrito em 1984, fazia uma previsão pessimista com um mundo dominado pelo totalitarismo e o pensamento único, cercado de vigilância e "teletelas", o disco do Van Halen é o retrato em tempo real daquele mesmo ano na "Terra da Democracia". Ali está a Califórnia dos anos 80 com seu hedonismo, seus nightclubs, seus carrões, sua MTV, suas prostitutas, seus alunos desinteressados, sua luxuria, seus suicidas e sua inocência perdida (retratada pela irônica capa de um anjo fumando - capa esta que substituiu a ideia original que era de strippers cromatizadas). E , sobretudo, com uma de suas grandes bandas de rock pesado no auge de seus poderes.
(Texto: Leandro L.Rodrigues)
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