``So now, ladies and gentleman, are you ready for the star time?´´, pergunta o mestre de cerimônia e, diante da resposta afirmativa da platéia, apresenta ``Mr Dynamite`` e imediatamente a banda, formada por oito metais, duas baterias, guitarra, órgão e um baixo pulsante, ataca a instrumental ``The Scratch´´ transportando o ouvinte para a Nova Iorque do inicio dos anos 60.
Naquela noite fria de 24 de outubro de 1962, o presidente
dos Estados Unidos, John F.Kennedy, acabara de anunciar o embargo à Cuba e as
possibilidades da guerra se tornar quente começavam a aumentar. Naquele ano,
James Brown fez 350 shows, o que lhe valeu o apelido de “o homem que mais
trabalha no show bizz” , embalado pela seqüência de hits que havia enfileirado
nas paradas de rhythm n’blues (um rótulo musical que a revista Billboard
inventou para poder catalogar na sua parada os artistas que faziam uma música
calcada no jazz e no blues, mas que não eram "vendáveis" ao público
branco) e no fervor de suas apresentações. Fervor esse que, ele bem concluiu,
seus discos não captavam. Era necessário um disco ao vivo. Um disco que
mostrasse a todos os públicos no país inteiro do que James Brown e sua banda
eram capazes num palco. As “inteligências” que dirigiam a King Records,
gravadora do artista, se negaram a bancar o projeto. Segundo a privilegiada
visão dos diretores, um disco ao vivo não seria vendável. Mas JB apostou no seu
faro e resolveu bancar do próprio bolso. E o local escolhido para sua
realização não poderia ser outro: o Apollo Theatre, o templo da música negra,
situado na 125th street, no Harlem, onde o cantor já se apresentara desde 59,
algumas vezes como headliner, e cuja platéia era famosa por sua exigência.
Brown entra no palco, “Eu sabia que ia ser um
daqueles dias”, disse ele em sua autobiografia sobre esse momento, sob aplausos
dos 1500 privilegiados que estavam presentes na platéia, gritando em vibrato
"You know I feel all right" e dá o tom para a guitarra de Les Buie
dar inicio a “I’ll go crazy” e a banda, sob o comando do trompetista Lewis
Hamilin, que havia ensaiado exaustivamente cada número nos ensaios e
apresentações que antecederam a gravação, parte em ritmo frenético (diz a lenda
que a multa que o Godfather aplicava aos músicos que erravam as notas, nessa
ocasião estava multiplicada) em meio a síncopes e grooves marcantes e os gritos
e falsetes do cantor. Sem tempo para respiro, antecedida por uma vinheta
instrumental que servirá de ponte para o intervalo entre as primeiras músicas,
a balada “Try me”, primeira canção do artista a figurar no topo das paradas,
entra em cena com a bonita e marcante voz rouca e açucarada de Brown nos
mostrando o quando há dele em cantores que se seguiram (Steven Tyler é um
exemplo flagrante), a seguir o ritmo volta a subir e a versão do cantor para
“Think” surge com baixo pulsante e um frenético solo de sax de St Clais
Pinckney. Delírio total. O funk começava a tomar forma. “I don’t mind”, outra
balada arrasadora, que ganharia uma versão no disco de estréia do The Who ,
surge com a guitarra melancólica de Les Buir e um belo trabalho de vocais do
Famous Flames, banda vocal de apoio do cantor que brilha em praticamente todas
as faixas e curiosamente não foi creditada na capa desse disco. Os ecos gospels
de “Lost someone” e seus mais de dez minutos de viagem performática com Brown
fazendo a platéia cantar, gritar e levando o ouvinte a usar a imaginação para
tentar visualizar os gestuais e performances do cantor no palco a partir dos
efeitos produzidos na platéia, serve como um atestado do talento de JB como
showman e o domínio que ele exercia sobre o público. No órgão Bobby Byrd,
grande parceiro na primeira fase da sua carreira (reza a lenda que a família de
Byrd assumiu a responsabilidade sob Brown para tira-lo do reformatório para
menores infratores em que ele se encontrava na adolescência), fundador do
Famous Flames e co-autor da canção, "When I sing the little part that
might sting in your heart, I wanna hear you scream", ordena o pastor Brown
aos seus discípulos, no que é prontamente atendido. Essa é a faixa que divide
os dois lados do LP, o lado A termina nos seus 4 minutos e o B começa a partir
de então, e era nessa pausa que os Discs Jokeis, que passaram a tocar o LP
inteiro nas rádios a pedido dos ouvintes, aproveitavam para inserir os
comerciais. Uma versão editada desse número foi lançada como single após o
sucesso do disco. “Please, please, please”, o primeiro single de sucesso do
cantor, e que serviu de base para os ensaios iniciais da banda MC5, abre e
termina o medley de sucessos que se segue e que serve como amostra da
habilidade do artista em agrupar canções e manipular apresentações. “Night
train”, o single de sucesso da época, surge abravisivo e a banda dá a impressão
de sair do chão num clímax final. O trem noturno de Brown, a banda e os Flames
parte intenso pelas ruas do Harlem rumo às estrelas. Nota 10.
Missão cumprida: em pouco mais de meia hora de frenesi, entusiasmo, precisão, carisma e alta qualidade musical, James Brown desfilou a seu modo o amor e o desamor de uma época. E mudou para sempre a cara da música pop. O melhor disco ao vivo da história da música fonográfica já estava gravado! Uma vitória da ousadia e da criação contra a mesmice e o pragmatismo. Um pouco de pressão, alguns cortes de partes que só funcionavam para quem estava vendo-o dançar no palco e a King resolveu lançar cinco mil cópias. Não deu conta. O disco foi para o segundo lugar da parada geral da Billboard. James Brown invadiu o maisntream. E nas paradas ficou por 66 semanas. Depois disso, ainda inventou o funk, fundou (ao lado do sempre presente Bobby Byrd) sua própria companhia de produção, gravou outros discos históricos (voltou a gravar mais dois no Apollo), passou por altos e baixos na carreira, se envolveu com questões sociais, prisões, deu à luz a uma série de "Browns" espalhados pelo mundo e se tornou uma lenda máxima da música.
Hoje, mais de meio século depois daquela noite tensa, a Guerra Fria já derreteu, Estados Unidos e Cuba já reataram relações, os brancos já formam 10% da população do Harlem, James já desencarnou e o Apollo Theatre pertence ao Estado. Mas o explosivo “Live at Apollo” ainda permanece firme no panteão dos discos históricos. Uma prova inconteste da genialidade de um artista único!
Right on! Are you ready?
Missão cumprida: em pouco mais de meia hora de frenesi, entusiasmo, precisão, carisma e alta qualidade musical, James Brown desfilou a seu modo o amor e o desamor de uma época. E mudou para sempre a cara da música pop. O melhor disco ao vivo da história da música fonográfica já estava gravado! Uma vitória da ousadia e da criação contra a mesmice e o pragmatismo. Um pouco de pressão, alguns cortes de partes que só funcionavam para quem estava vendo-o dançar no palco e a King resolveu lançar cinco mil cópias. Não deu conta. O disco foi para o segundo lugar da parada geral da Billboard. James Brown invadiu o maisntream. E nas paradas ficou por 66 semanas. Depois disso, ainda inventou o funk, fundou (ao lado do sempre presente Bobby Byrd) sua própria companhia de produção, gravou outros discos históricos (voltou a gravar mais dois no Apollo), passou por altos e baixos na carreira, se envolveu com questões sociais, prisões, deu à luz a uma série de "Browns" espalhados pelo mundo e se tornou uma lenda máxima da música.
Hoje, mais de meio século depois daquela noite tensa, a Guerra Fria já derreteu, Estados Unidos e Cuba já reataram relações, os brancos já formam 10% da população do Harlem, James já desencarnou e o Apollo Theatre pertence ao Estado. Mas o explosivo “Live at Apollo” ainda permanece firme no panteão dos discos históricos. Uma prova inconteste da genialidade de um artista único!
Right on! Are you ready?
(Texto: Leandro L. Rodrigues)
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