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terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Djavan - Alumbramento (1980)







Djavan terminou a década de 70 como um compositor em ascensão. Depois de um destacado segundo lugar no Festival da Abertura em 1975, com "Fato Consumado", dois belos álbuns gravados e músicas interpretadas por cantoras do primeiro time como Nana Caymmi, Elis Regina e Maria Bethânia (a faixa título do vitorioso disco "Álibi" - o primeiro disco gravado por uma mulher a ultrapassar um milhão de cópias vendidas - é dele), o compositor tinha o respeito de seus pares, mas seu nome e sua voz eram ainda desconhecidos do grande público. Por isso, quando entrou em estúdio para gravar seu terceiro álbum, o ex-meio-campo do CSA, que não se profissionalizou no futebol porque queria viver de música, estava disposto a entrar para a seleção brasileira da música.
Diferente dos trabalhos anteriores, "Alumbramento" vem recheado de parcerias. O alagoano estava disposto a misturar, ampliar o alcance de suas composições e se integrar ao time dos grandes. O disco abre com chave de ouro: "Tem boi na linha", um samba sincopado, típico do Djavan do início da carreira, com letra do habilidoso Aldir Blanc falando das viagens cotidianas dos moradores dos grandes centros e citando em sua letra algumas estações de trem da Grande Rio. "Meu vai-e-vem parece o vai-e-vem do trem", canta Djavan, sob um poderoso arranjo e um naipe de metais que conta com Mauro Senise, Leo Gandelmann, Serginho Trombone, Bidinho e Victor Assis Brasil que iguala os balanços e sons da canção ao balanço e som do trem. "Sim ou não" é um blues bem típico do estilo que o músico seguiria nos próximos anos, com o baixo de Sizão Machado e um belo solo de piano do produtor Eduardo Souto Netto se destacando ao lado de beleza da voz do cantor. Logo a seguir, o dedilhado do violão de Djavan dá início à primeira obra-prima do disco: "Lambada de serpente" chega trazendo o seu lado nordestino/cantador com uma bela viola de 12 cordas tocada por Ari Piassarollo, o acordeon de Gilson Peranzetta, um magistral coro popular e uma primorosa letra do poeta Cacaso falando de traição e desilusão. "Lambada de serpente, a traição me enfeitiçou". Golaço! Na sequência, samba e Chico Buarque, de voz presente, dividindo os vocais da deliciosa e bem-humorada "Rosa", uma de suas grandes letras da década de 80, cheia de jogos de palavra e enganos."Artista, é doida pela Portela
Ói ela,Ói ela, vestida de verde e rosa, a Rosa." Nota dez. Grande tabelinha de dois talentos ímpares da MPB em mais um clássico! "Dor e prata" encerra o lado A com arranjos de Oscar Castro-Neves e uma letra característica do compositor que rodopia em torno da bela melodia. O Lado B se inicia com um dos grandes momentos da carreira do músico e do pop brasileiro pós-anos70: "Meu bem querer" surge com os arrebatadores arranjos de Wagner Tiso (responsável também pela regência da orquestra e o belo piano), sua melodia marcante e letra sofrida, direta e sem metáforas, algo raro em seu estilo, cantada de maneira emocionada pelo seu compositor, que também ataca no ovation e acariciada pela guitarra blues de Ari Piassarollo,. Clássico instantaneo, a música entrou para a trilha da novela "Coração Alado" (numa época em que as trilhas de novela eram capazes de determinar o destino de muitas músicas) e se tornou rapidamente um sucesso popular.O iluminado compositor agora se tornava também uma figura conhecida das massas. Citada como música do ano, a canção tornou-se um marco na carreira do cantor, que chegou a grava-la algumas outras vezes, mas sem repetir o exito da gravação original. Na sequência, "Aquele um", mais uma parceria com Aldir, tem uma letra típica dos sambas da dupla Bosco/Blanc, mas conta com um equivocado clavinete tocado por Luiz Avellar. Os anos 80 estavam começando. "Alumbramento", faixa-título, é mais uma parceria com Chico Buarque, uma balada bem no clima Djavan que termina com a sua marcante vocalização em falsete. "Triste baía da Guanabara", parceria de Cacaso com Novelli (presente também tocando um excepcional contrabaixo) fala também de desilusão, numa brincadeira com "triste Bahia" de Gregório de Mattos (e que Catano Veloso havia musicado magistralmente no clássico "Transa") e um belo trabalho de intérprete do cantor. "Sururu de capote", música que daria nome à banda de apoio do artista, fecha o disco em grande estilo. Num clima parecido com o da faixa de abertura, o contagiante samba traz o violão de Djavan e sua peculiar divisão integrados ao belo trabalho da banda (com Eduardo Souto Netto no piano elétrico e Chico Batera na percussão e dessa vez com o clavinete de Avellar bem colocado) e letra com falas e costumes típicos do Nordeste que encerra concluindo: "Em São Paulo é bom, mas como lá eu não vivo. Vou pegar um ônibus, vou rever meu umbigo". 
"Alumbramento" é um disco inspirado e com uma certa dose de tristeza. Numa carreira feita com cores, pode-se dizer que é o disco prata (dor e prata) de Djavan. Do trem de abertuta ao ônibus do encerramento, o compositor, de semblante triste e caminhar pensativo na capa, relatou, entre sambas peculiares e baladas cheias de estilo, suas tristezas e desilusões amorosas, no interior e nos grandes centros. Decidiu-se por voltar e rever seu umbigo, não voltou. Nem havia como. O alagoano agora já havia gravado sua obra-prima, se consagrado como compositor popular e reconhecido como intérprete. Ainda no mesmo 1980 gravaria outro disco clássico pela Odeon (o obrigatório "Seduzir") e no ano seguinte assinaria contrato com a CBS (Sony) partindo para uma carreira de luz internacional, se encantando com o pôr-do-sol em Los Angeles e conquistando fãs do naipe de Stevie Wonder, Quincy Jones, Al Jarreau, entre outros, tornando-se mundialmente reconhecido como um dos grandes craques da vitoriosa música brasileira.
Mas é no alumbramento se sua fase inicial que se encontra a força de seu poder criativo.



(Texto: Leandro L. Rodrigues)

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