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sexta-feira, 8 de julho de 2016

Roberta Sá - Brasileiro (2005)









A capa de Braseiro traz Roberta Sá de blusa verde e brincos dourados à beira de um rio com extensa vegetação na margem e um céu azul ao fundo. Em volta de seu nome e do título do álbum, um losango. Como se não bastasse, a música título de Pedro Luís (que posteriormente tornou-se marido da cantora) traz versos como ``Tão vendendo ingresso pra ver nego morrer no osso/ Vou fechar a janela pra ver se não ouço a mazela dos outros´´, além de citar Martinho, Melodia, Wando, Ataulfo e Caetano. Estava mais do que claro: o brasileiro em questão era o Brasil. E o disco tinha a proposta de canta-lo.
Produzido pelo tarimbado Rodrigo Campello, que já havia tocado com nomes como Cartola, Nelson Cavaquinho, Beth Carvalho, entre outros, o disco era dividido com metade regravações de artistas já consagrados e outra de nomes que brilhavam na, então, nova geração. A cantora potiguar que havia tentado firmar-se através do “Fama”, da Tv Globo, mas não conseguiu se encontrar no estilo “enlatado” que a produção do programa dava às músicas, saindo logo nas primeiras semanas, agora tinha a chance de mostrar ao público seu real estilo. O disco abre com “Eu sambo mesmo”, samba gravado pelo grupo vocal Anjos do Inferno na década de 40 e recriada magistralmente por João Gilberto anos depois, cuja letra fala da dificuldade de aceitação do samba por alguns setores da sociedade, e “Pelas tabelas”, samba feito por Chico Buarque - a grande referência da artista - na época das “Diretas Já”, essa com destaque para o violão de 7 cordas de Campello e a interpretação precisa da cantora. A conversa direta com o repertório de dois ícones de períodos emblemáticos da música brasileira, deixa claro que a intenção não é simplesmente fazer regravações mas, conversar com alguns momentos pontuais da nossa música, sobretudo do samba. Outros clássicos presentes são: “A vizinha do lado”, clássico de Caymmi -grande compositor da fase pré-bossa nova da nossa música e responsável por João Gilberto ter a chance de gravar seu primeiro disco - que Roberta gravou num cd demo que foi parar na mão de Gilberto Braga que decidiu incluir na trilha de uma novela que ele escrevia, o que abriu (e muito!) os caminhos da artista, com o multi-instrumentista Dirceu Leite brilhando na clarineta; “Valsa da solidão”, canção do início da carreira de Paulinho da Viola (responsável pela reformulação do samba na década de 60) e “Cicatrizes”, canção título do antológico Lp de 1972 -marco da música brasileira contra a censura ditatorial - do MPB-4, que participa inclusive dessa regravação. Da nova geração, temos a já citada canção-título “No braseiro” que conta com a participação de Pedro Luís nos vocais e que ao final continha uma citação à “Cantos das três raças” de Clara Nunes, que teve que ser retirada devido a uma reclamação de Paulo César Pinheiro , autor da música e marido de Clara, que alegou que a música fora incluída sem nenhuma autorização. Curioso é que o mesmo Paulo César é o letrista de “Cicatrizes”, que faz parte do disco; também da nova safra vem “Casa pré-fabricada”, aqui numa versão elegante conduzida por um trabalho vocal impecável, a bateria de Wilson das Neves, o baixo de Zeca Assumpção, além do cello clássico de Hugo Pilger , o piano do também-produtor Paulo Malagutti e o violão preciso de Rodrigo Campello que transforma o rock dos Los Hermanos – a grande banda brasileira de então – em cool jazz. Nota 10. A canção seria gravada por Maria Rita no seu “Segundo” disco num estilo parecido com o apresentado em “Braseiro”. “Lavoura”, de Teresa Cristina, sambista de destaque nos anos 90, mas que só ganharia a oportunidade de lançar discos nos anos 2000, conta com o auxílio luxuoso de Ney Matogrosso nos vocais, o dueto entre os dois dá ao triste samba um tom ainda mais dramático; “Ah, se eu vou”, do pernambucano Lula Queiroga, é o ponto alto do lp. Com o violão preciso de Campello, a batida inconfundível da Parede de Pedro Luís e os vocais irrepreensíveis de Roberta, a música, que fala sobre coco, a ciranda de Lia do Itamaracá e rodas de samba, levanta a poeira e prova o talento da artista em imprimir sua marca a composições alheias. “Olho de boi”, do também novato Rodrigo Maranhão, encerra o disco com beleza e delicadeza.
Com suavidade, personalidade e simpatia, Roberta Sá apresentou assim sua carta de intenções. Passeou pela história do samba, pelas realidades do braseiro Brasil e deixou sua marca tanto em sambas consagrados quanto em canções recentes. Depois disso ainda levou (junto com Pedro Luís e a Parede) o terceiro lugar no Festival de Música Brasileira da Tv Cultura, aproximou sua música de um som mais pop no premiado “Que estranho dia pra se ter alegria”, mostrou seu talento como compositora, fez do samba, reza e se firmou como uma das grandes cantoras do país. Mas foi com “Braseiro”, e sua junção de passado, presente e futuro, que o público mais atento pode perceber que o século XXI já tinha dado à música brasileira uma grande cantora.



(Texto: Leandro L. Rodrigues)




2 comentários:

  1. No primeiro parágrafo,''braseiro'' foi trocado por ''brasileiro'',rs.

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  2. Muito boa a análise crítica,Roberta Sá deve ser a única caloura que deu certo.

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