A hipocrisia é pior que a indiferença. Atualmente assistimos a uma onda de
falsos ideais que me enoja, vivemos uma época tão vazia de valores reais que
assistimos todo dia nas telas e nas ruas, assim como nos lares, uma crescente
necessidade de demonstração de valores e sentimentos inexistentes. Diante do
único valor atualmente dominante, o valor de marcado, vejo uma classe média
engajada na tentativa de camuflar o seu vazio e sua futilidade. Uma das saídas
encontradas pelo indivíduo realmente vazio e apegar-se a ideais de beleza e
valores que na verdade foram, há tempos, transformados em mercadoria, com as
bençãos do todo poderoso deus Mercado, o único realmente cultuado em nossa
elegante e decadente sociedade.
Entre esses ideais estão o amor e a religião, que podem
ser comprados e consumidos em templos e motéis por qualquer um incapaz de lidar
com a difícil arte de viver o real, assim como as drogas são a fuga do covarde
diante da incapacidade de encarar, de cara limpa, uma vida real e de prazeres
raros. Essa incapacidade de ser protagonista de sua própria história faz com que
muitos cometam o absurdo de depositar no outro uma responsabilidade que é só
dele: a de dar sentido a sua própria existência.
Tudo isso tem resultado numa onda de infantilidade absurda
que reflete como a maturidade é um estágio alcançado por poucos, faço minhas as
palavras de Luiz Felipe Pondé quando este afirma que "a infantilidade se tornou
um direito de todo cidadão". Algumas instituições, há muito falidas; como a
família, são hoje utilizadas pelo mercado como garoto propaganda e, dessa forma,
como o mercado determina o que somos, se não aderimos a esses valores e
instituições somos destituídos de qualquer qualidade moral. Na obra O
estrangeiro, de Albert Camus, o personagem Meursault é acusado de matar um homem
e, durante seu julgamento, o promotor usa como principal argumento para sua
condenação o fato de, dias antes, o réu ter ido a o enterro de sua mãe e não ter
chorado e, além disso, no dia seguinte, ter se deliciado nos braços de uma
mulher , como se isso fosse uma evidência de sua desumanidade.
Não só discordo dos argumentos do promotor como concluo que
chorar no enterro da mãe pode, em muitos casos, ser apenas uma necessidade de
demonstração, para o outro, de algo que não existe de fato. Na obra esse mesmo
personagem , que em determinado momento passa a ser julgado não mais pelo
assassinato, mas por não ter chorado no enterro da mãe com a qual mal conviveu,
recebe em sua cela a visita de um padre que, muito surpreso com o fato do réu
ter afirmado ser ateu, tenta convencê-lo de que é inaceitável viver sem a
concepção de Deus. Em determinado momento Meursault, irritado com os argumentos
infundados do padre, agarra o seu colarinho e, cheio de indignação, pronuncia a
frase mais expressiva de toda a obra:"sua religião não vale um fio de cabelo de
uma mulher".
A mulher a qual o personagem se refere é Marie e pela
qual demonstra um sentimento que não se encaixa em nada com esse amor romântico
piegas de nossos dias, sendo, pois, mais real; haja vista não se basear em
nenhum ideal metafísico. Podemos ter uma ideia dos sentimentos do protagonista
com base na forma que Marie é descrita, linda, cozinhando sua comida,de vestido
solto e listrado, enchendo sua vida de desejo, com os cabelos caindo nos ombros.
Marie usava aquele tipo de vestido de verão solto, que permitia Meursault tocar,
como se fora seu dono, o calor úmido entre suas pernas. Podemos concluir que,
viver uma vida própria, sem seguir modelos pre-determinados, constitui uma
violação às regras que sustentam uma sociedade fundada na hipocrisia. Meursault
e Marie não queriam agradar a ninguém além deles próprios, não nomeavam o que
sentiam, apenas atendiam o chamado dos seus desejos sem culpa e, portanto,
talvez tenham conseguido algo que poucos conseguem: viver um momento de
plenitude, o que vale mais do que uma vida inteira sem sentido.
(Texto: Nilton Aquino)
Muito interessante o texto, gostei !
ResponderExcluirRealmente vivemos numa sociedade hipócrita onde tudo já é pré-determinado e cheio de conceitos falhos e antigos.
Parabéns.
Para variar, mais um belo texto de Nilton Aquino. Já fiquei doido para pular os livros que vou ler para por outro desse mesmo autor na frente, que é o Morte Feliz. Parabéns Niltão!
ResponderExcluirMASSA MEU VELHO MUITO BOM.....
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