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quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Ave Sangria - O Pirata





Estar só é olhar o presente e só enxergar o que já passou, é buscar no tempo o que foi levado por ele e que permanece na memória. É mendigar migalhas de recordações espalhadas em velhos discos, antigas anotações esquecidas em papéis velhos, amarelados pelo tempo. Estar só é fugir da ilusória fugacidade da vida. Somente diante da constatação de estar só é que nos damos conta da nossa insignificância diante da existência, tão breve e mal vivida, desperdiçada pelos medos: medo do erro, do risco, da vida e da morte, certa e inevitável. É nesse momento que somente a música preenche o vazio deixado pelas palavras imóveis, pelos gestos simplesmente verbais que nada transformam, que nada mudam, que não têm cheiros, que não têm gosto nem a maciez da pele, que não emitem gemidos de prazer ou de dor. O que é a palavra diante do mundo? Simples representação. A palavra árvore não tem folhas, Nomen arboris folium habet ,na palavra rio não há água que mate a minha sede. O ritmo e a letra das canções vão além das palavras, pois elas traduzem o indizível, só o que se sente, aquilo que sangra e que só quem sente vê. Estar só é imaginar que consigas me entender e mesmo que isso ocorra saber que isso não muda nada. “... não se iluda, minha calma não tem nada a ver, sou bandido, sou sem alma e minto...”
   Se não fui claro o bastante não importa, nem sempre é possível ser claro em tempos sombrios, porém, como sugestão, ouça esse disco do Ave Sangria. Para quem não conhece Ave Sangria é um conjunto musical brasileiro de rock rural, um dos principais expoentes da cena musical psicodélicas pernambucanas dos anos 1970, o fato de hoje ser praticamente desconhecido do grande público nos dá uma noção de como desperdiçamos o belo e o bom do passado em nome da ilusão da modernidade e do vazio cultural que é parte do grande vazio existencial de nossos dias.
(Texto: Nilton Aquino)

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